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Pelos olhos dela: um convite à cegueira

De início, sabia que era uma peça inclusiva, que teria atores com deficiência e sem deficiência, mas o teatro, assim como o cinema, nem sempre se revela pela sinopse. A vivência do espetáculo dá conta de (des)construir certezas ou criar novas.  Quem cheg

De início, sabia que era uma peça inclusiva, que teria atores com deficiência e sem deficiência, mas o teatro, assim como o cinema, nem sempre se revela pela sinopse. A vivência do espetáculo dá conta de (des)construir certezas ou criar novas.

Quem chegou pontualmente, conseguiu uma venda. O espetáculo “Pelos Olhos Dela”, do diretor Carlos Correia Santos, fazia um convite inusitado à maior parte do público acostumado a ir a espetáculos apreciar, além da história, o figurino, o cenário e um monte de visualidades.

Todos foram convidados a tirar os sapatos. Permitir-se era a ideia que regia a noite. Pés descalços e com venda nos olhos, todos iam adentrando no desconhecido, por um caminho com areia e folhas secas. Fazer isso sem enxergar era um desafio, afinal, desaprendeu-se a lidar bem com a escuridão.

Os vendados ficaram no palco, sentados, junto com o elenco da peça. Quem era surdo não usou venda e tinha todo o texto dito pelos atores simultaneamente traduzido por duas intérpretes de Libras. Ao final do espetáculo, foi revelado ao público que era um rapaz surdo quem tocava a percussão.

Fiquei na plateia mesmo, não a que estava no palco, mas a plateia sem vendas, que “assistiu” ao espetáculo de olhos fechados por vontade própria. Abria e fechava os olhos porque queria ver a reação das pessoas e não perder as minhas. E foram as mais diferentes possíveis.

Os atores, acompanhados por alguns músicos, iam falando um texto poético, quase um canto ou um mantra. Iam alternando tanto a altura da voz quanto a emoção contida em cada uma, o que causava impacto para quem, sem enxergar nada, não tinha noção de espaço e poderia supreender-se com praticamente tudo.

Eram lançados à plateia questionamentos sobre o ato de enxergar. Ver era um ato possível somente através dos olhos? Quem tinha uma deficiência, aquele que não poderia ver com os olhos ou aquele que não compreendia, aceitava ou não tinha empatia pelo diferente?

Entre sussurros e toques, não se sabia como eram os rostos e corpos dos atores que tocavam a cada um da plateia que tinha embarcado nessa experiência sensorial. Cheiros de rosas, perfumes diversos, chuviscos, barulhos de floresta, cada um ia interagindo com aquilo do seu jeito.

Os recursos cênicos pareciam reais na escuridão. Não ver era assustador, mas desviava a atenção, que sempre estava voltada para as imagens, para outras coisas.

Percebi que aquele processo de construção de empatia dava conta de revelar o óbvio: a cegueira era minha e de todos que têm os olhos intactos, mas que esquecem que enxergar vai além de um ato físico.

Lembrei de Saramago e seu “Ensaio sobre a Cegueira”. Foi como disse, com o maior bom humor do mundo, a protagonista da peça, Gabriela: “Enxergo com o coração, enxergo com a pele. E quando falta luz, me sinto a rainha.”

E assim, no final do espetáculo, me ensinou como guiar uma pessoa cega. Já me despedindo dela, brincou: “Deixa eu ver aí o que você escreveu.” Haviam certezas, mas no meio do caminho, elas se transformaram. Incluir é mais do que “dar uma oportunidade”, é tratar o diferente como natural. Porque sempre foi.

(Diário do Pará)

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